segunda-feira, 1 de junho de 2009

MÚSICA

Desde tenra idade, 4 ou 5 anos, revelou grande sensibilidade para a música, aprendendo rapidamente as canções da sua época, que transmitia aos seus familiares e amigos através da sua vozinha de menino de coro que, segundo os seus pais, era muito apreciada e solicitada, especialmente em reuniões de família. Como a atracção pela música era muito grande, sobretudo no contacto com instrumentos musicais, os seus pais apenas o iam consolando de vez em quando, com uma harmónica bocal de escala diatónica, a vulgar gaita-de-beiços, que rapidamente aprendeu a dominar. Com elas se ia deleitando ao interpretar tudo quanto era música popular e só mais tarde, por volta dos 14 anos, já estudante liceal, teve, oferta do pai, uma harmónica de três escalas cromáticas. Com ela, alegrou bailaricos na terra natal dos seis pais, aldeia raiana do concelho do Sabugal.
Terminado o liceu, foi trabalhar num escritório, o que permitiu comprar livros de teoria musical, solfejo e composição. Nessa altura, rapaz de 18 ou 19 anos, entregou-se à sua paixão pela música desaguando no oceano encantado da Grande Música do Período Clássico, mas sobre tudo na música do período mais belo de sempre, o Período Romântico.
E a composição, para a qual se sentia impelido com uma força irresistível, passou a ser o seu desejo mais profundo. Estudou e aprendeu sozinho o mais que lhe foi possível, mas só depois de ter dado entrada em novo emprego, na Caixa de Previdência, em 1947, aos 20 anos, lhe foi possível ampliar mais os seus estudos.
Entretanto acontece um compasso de espera com a chamada para o serviço militar. Depois de concluído o curso de oficial miliciano na Escola Prática de Infantaria em Mafra, foi colocado no extinto Batalhão de Engenhos na Amadora, cujas instalações estão hoje ocupadas pela Academia Militar. No prazo de tempo decorrido no Batalhão cerca de dois anos, apenas merece ser referido um episódio deveras interessante relacionado com a música. Nessa altura, o alferes miliciano Martins já possuía outra harmónica bocal mais sofisticada - uma HOHNER de quatro escalas cromáticas - com a qual se deleitava, interpretando peças de musica tanto do seu agrado, mais adiante referida, como o "Cisne" de Saint Saens, as "Avé Maria" de Schubert e de Gounod e "Meditação" de Massenet, por exemplo. Assim, a partir de determinada altura, sempre que lhe cabia entrar de serviço ao Batalhão como oficial de prevenção, levava de casa a sua harmónica para o quartel, a fim de passar melhor e mais agradavelmente o período nocturno de vigilância que lhe competia.
Logo que o serviço o permitisse, entrava na sala dos oficiais e aí, num silêncio nocturno aprazível, sem ligar patavina ao aparelho de rádio que equipava a sala, tocava as suas melodias preferidas, incluindo já algumas da sua autoria.
Certa noite, sem que o Alferes Martins suspeitasse que a soldadesca já sabia dos seus recitais nas noites dos seus dias de prevenção, teve uma surpresa muito agradável. Quando deu por ela, alguns soldados que se encontravam no lado de fora da porta de entrada da sala de oficiais, abriram ligeiramente e certamente a medo a porta, o que motivou reacção imediata do oficial concertista. Efectivamente, um punhado de rapazes humildes e amantes de musica ali estava já algum tempo a ouvir uma “gaita de beiços” que naqueles tempos era um instrumento muito apreciado pela rapaziada. Disseram que já haviam assistido e ouvido às escondidas noutras ocasiões. Mas, coisa espantosa e comovente. Aqueles rapazes extraordinários, estiveram-se nas tintas para o Regulamento de Disciplina Militar, pois era depois do “Toque a Silêncio” que eles se levantavam das suas camas e, à socapa, se encaminhavam, para ir ouvir o recital que tanto apreciavam. Em vez de serem repreendidos pela infracção ao R.D.M., o oficial de prevenção fez vista grossa, continuou sempre a faze-lo e mais, passou a incluir também peças muito mais apreciadas por eles, como, marchas, corridinhos, tangos, valsas, tangos, rumbas, fados, etc. Terminada a tropa, regressou à sua Caixa de Previdência e continuou com os seus estudos.
Recebeu lições de violino e piano durante dois anos cada, por professores particulares, mais para perceber e compreender a mecânica e execução desses maravilhosos instrumentos. Mas a ajuda mais importante recebeu-a de uma senhora vizinha, que sempre gentilmente, se dispunha a dedilhar no seu piano, com grande curiosidade, e também admiração, as modestas composições do seu vizinho. Essa ajuda foi ainda mais proveitosa, porque o facto de serem vizinhos no mesmo prédio, facilitava as possibilidades de contacto. E assim, pouco a pouco, com calma e determinação, as peças foram-se avolumando pelos anos fora e hoje, atingem um conjunto de cerca de setenta peças escritas para piano, violino e piano, violoncelo e piano, e canto e piano, quase todas no estilo da Música de Salão do Período Romântico. Como as composições iam nascendo na forma de manuscritos, como é óbvio, cedo verificou a necessidade de musicografar as suas peças, pois os manuscritos muito dificilmente seriam entendidos por um intérprete, devido às emendas, rasuras, pressas, má distribuição das massas gráficas, etc. Por isso valendo-se do seu gosto por desenho geométrico e habilidade nos trabalhos manuais, misicografou, isto é, desenhou todas as suas peças, que parecem ter sido impressas numa tipografia. É que o trabalho que teria de dar a um musicógrafo profissional teria de ser pago a peso de ouro. Apesar de muitas dificuldades, invejas e escárnios sofridos, a sorte haveria de lhe dar a mão, na magnanimidade, compreensão e carinho da Administração do seu Banco.
A ajuda tão preciosa teve início em 1990 pela mão do então Governador, Dr. José Alberto Tavares Moreira, secundada nos anos seguintes pelos Governadores, Prof. Dr. Luís Miguel Pizarro Beleza e Prof. Dr. António José Fernandes de Sousa. Injustiça seria se também não fossem lembrados os Vice-Governadores Dr. João António Morais Costa Pinto e Dr. António Carlos Palmeiro Ribeiro e os Administradores Dr. José António Cardoso Veloso, Prof. Dr. Abel Moreira Mateus, Dr. Bernardino Manuel Costa Pereira e Prof. Dr. José Leite Campos, pois que todos eles tão bem souberam valorizar, acarinhar e estimular a prata da casa, na pessoa do seu Especialista Principal de Meios Audiovisuais, com a realização de seis recitais de Musica de Salão, num total de 50 peças, preenchendo a parte cultural das comemorações do Dia do Reformado do Banco de Portugal. O final da 2ª parte dos recitais foi sempre concretizado com duas peças bailadas por dois dançarinos, profissionais tais como os intérpretes instrumentistas. Os espectáculos terminavam sempre em beleza, muito ovacionados por grande assistência de colegas do Banco, familiares e amigos convidados. Hoje vive o fascínio da Música, ouvindo as maravilhas dos grandes mestres do Romantismo, em alternância com as gravações das suas modestas mas muito queridas composições.



Recital S. Carlos (1991)





Recital Gulbenkian (1993)

Peça composta e musicografada (escrita à mão) pelo autor

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